quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Bem-vindo à vida, Bernardo

Bem-vindo à vida, Bernardo.

A vida é legal.

Tem gente que faz umas coisas chatas, que chateiam a gente. Mas a maior parte da programação aqui, é legal.

Primeiro, porque você chegou numa família cheia de amor. E isso é o principal.

Aqui na vida, tentam convencer a gente do contrário o tempo todo, de que outras coisas são mais importantes. Mas é fake news. O amor é o principal sim. Foca nisso.

E olha que legal: você já chegou tendo um irmãozão. Que massa! O Ângelo será seu professor. Pode confiar nele e fazer tudo que ele disser, ok? Menos quando ele disser pra você pintar a parede da sala, ou quando ele duvidar que você consegue colocar 42 jujubas na boca de uma só vez.

Isso se chama “trollada”. Depois pesquise #sergiomallandro no YouTube.

Já sua mãe, é muito esperta e gosta das coisas bem certinhas. Então seja vivo. Você nunca vai conseguir enganá-la.

Aqui na vida a gente bebe o leite da nossa própria mãe. Mas em troca, a gente tem que obedecê-la. Então, obedeça ela em absolutamente tudo! (Tá bom, em quase tudo – não precisa usar sapato o tempo todo, pode andar descalço – e sem camisa também!)

Em relação ao leite, uma hora ele fica sem graça. Então prove das principais iguarias da vida: água de coco, caldo de cana, pão com mortadela e, claro, moela de frango. Separadamente, ok? A vida terá outro sabor, você verá.

E o seu pai, é um dos caras mais brilhantes e inteligentes que eu já conheci. Tudo que você não souber, pergunte pra ele que ele saberá responder. Se esquecer de algo, ele também te ajudará a lembrar.

Na vida, quem segue os conselhos do papai sempre se dá bem. O mais legal, é que a gente só descobre isso depois. Ou seja, guarde bem esse segredo, pequeno Bernardo.

Por fim, eles vão brincar muito com você, te levar pra tomar sorvete e ensinar alguns valores, como humildade, honestidade e, certamente, falarão muito sobre música.

Mas aí, é muita coisa pra aprender. Na dúvida, escute O Rappa.

...

Um beijo do tio Alexandre e que Papai do Céu te proteja sempre. Bem-vindo, Bernardo.


quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Exagero!? — série de 3 textos para um restaurante


"O Cozidão"

Exagero!?

Há rumores de que na quarta caravela que chegou ao Brasil, havia uma cozinheira de mão cheia, a Disa. Ela fazia um cozido que deixava os marujos de cabelo em pé. Dia de içar velas, era dia de cozido. E dia de recolhê-las? Também. Mas em terra firme, os aborígenes locais  que não eram nem um pouco bobos , ao provarem o prato de Disa, ofereceram um cacho de bananas gigantes pela receita. Sem titubear, ela topou. O pajé da tribo, que usava uma chapéu feito de cabeça de capivara, sugeriu que acrescentassem banana e milho à receita de Disa e deu no que deu: ficou supimpa. A partir daí, somente os grandes guerreiros podiam comer do cozido e, pra isso, tinham que caçar jibóias montados em uma onça-pintada cega, madrugada afora.

Se é verdade, não sabemos. Mas que esse prato é exageradamente delicioso, ah, isso é.

Aspargus Restaurante



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"A Feijuca"

Exagero!?

Dizem que Lorival era daqueles mancebos namoradeiros. Pra aquela época, isso era inusitado. Afinal, havia poucos paqueradores durante a Inconfidência. Mas isso não se aplicava ao mineiro Lorival. Em cada belo sorriso feminil, ele vislumbrava uma oportunidade de galantear mais uma pequena. Até que no rancho em que trabalhava, recebeu a visita de Selma, a angolana que visitara seu tio, o Coronel Tobias, um senhor aposentado que, sem trocadilhos, criava pererecas. Lorival, o afamado colecionador de ósculos, tremeu as pernas diante dos encantos de Selma. Curvou-se, sobretudo, ante seu prato especial: a feijoada  alcunhada carinhosamente de guisado-xodó. Testemunhas afirmam que o xodó de Selma fez Lorival tornar-se sujeito fiel. À feijoada.

Se é verdade, não sabemos. Mas que esse prato é exageradamente delicioso, ah, isso é.

Aspargus Restaurante


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"A Paella"

Exagero!?

Ninguém venceria Ramon. Era o bochicho no povoado. Reza a lenda que havia uma disputa entre os maiores comedores de Paella. Ocorria anualmente em um vilarejo chamado Glotón, próximo a Caracena, à beira do lago de crocodilos, onde as famílias reuniam-se com segurança para presenciar a disputa. Ramon era o favorito. Ganhou 3 vezes consecutivas e seguia rumo ao tetra. Na última, bateu recorde: comera 42 pratos de Paella. Apelidado de El Tractor, Ramon partilhava autógrafos. Porém, ele não contava com a presença de Yolanda  moçoila galega, magra, que não intimidava a ninguém. Mas, ao final da competição, ela liquidou 39 pratos, levando a comunidade hispaniense ao delírio. Se El Tractor conseguiu vencê-la? Não se sabe. Mas de lá pra cá, Yolanda é homenageada todas as sextas-feiras apenas nos bons restaurantes.

Se é verdade, não sabemos. Mas que esse prato é exageradamente delicioso, ah, isso é.

Aspargus Restaurante

domingo, 26 de julho de 2015

Três sensações


Eis as tais.

As afamadas "três inesquecíveis sensações de indescritibilidade extrema". A saber:

Assistir ao primeiro ciclo da nova máquina de lavar roupas.

Lamber os dentes após se remover o aparelho.

Cafuné.


quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

10 Razões


Hoje completo uma década. Um decênio. Completo dez anos de casado.

Eu poderia citar dez razões para agradecê-la. Mas nossa vida é repleta da mais densa realidade: não vivemos em filmes, livros ou mesmo no Instagram; então eu também teria dez razões para brigar com ela.

Poderia citar facilmente dez virtudes. Mas também, dez defeitos. Dez motivos para ficar juntos pra sempre. Ou para terminarmos tudo  imediatamente. Dez cenas de fé. Dez instantes de total desesperança.

Dez viagens inesquecíveis. Dez momentos insuportáveis. Dez vitórias. Dez dilemas. Dez acordos mantidos. Dez acordos desfeitos. Dez dias acelerados. Dez noites intermináveis. Dez músicas na playlist. Dez horas de intragável silêncio.

Dez belos segredos. Dez falácias.

Dez beijos molhados. Dez dissabores.

Eu poderia mencionar dez vezes que acordei apaixonado. Ou dez noites que nem dormi, zangado.

São dez anos. São muitos detalhes, muitas entrelinhas, muita confidencialidade.

Eu poderia contar dez aventuras ou dez lamúrias.

Poderia buscar dez razões...

Mas vou me ater a apenas uma: ELA.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Quem são meus amigos?


Admiro amizades. Comumente são duradouras e preciosas. Até as intermitentes têm seu maiúsculo valor.

Amigos são pessoas que te recebem com calor e êxtase. Mesmo em silêncio, mesmo sem pompas.

Essa singeleza conduz a melhor recepção do mundo: pacata e simples, entretanto, encharcada de verdade.

Genuinidade. A chancela da amizade.

Empatia. Sua alcunha.

Discrição. Por vezes, sua rubrica.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Olheiras


Olheiras. Elas existem. Cedo ou tarde desabrocham na cútis, sob os olhos.

Amparam os mais diversos olhares, dos bastante penalizados aos mais laboriosos.

Seus signos são tantos. Alternam entre momentos desgastantes – muito ruins ou muito alegres. Comumente brotam pela manhã. Enegrecem o olhar ao meio-dia. Alcançam o ápice ao anoitecer.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Pedidos de Aniversário

Hoje exalto a vida. Festejo mais um ano aqui, nesse lugar. Gosto dele. Não pretendo antecipar minha ida. Mas sei que é transitório, então, não me acostumo.

Enquanto meu perene céu não chega, faço minhas petições. Não exigências. Meros desejos desordenados que envolvem minha vida e a Terra...

Lá vai:

1)      Quero amar e preciso ser amado. Isso é urgente.

2)      Quero envelhecer com qualidade: manter a mente jovem, pra sempre. Tipo usar All Star depois dos 60; ter um cavanhaque branco, andar de bicicleta, experimentar comidas novas, abrir-me a mudanças e fugir da previsibilidade da rotina e do preconceito. Caminhar de sunga e tênis mesmo com a pele enrugada e flácida etc.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Tatuagens

Flávio esperava ansiosamente que sua tatuagem nova terminasse de despelar. Faltavam 4 dias para o show do Chiclete e essa figura tribal registrada na parte externa do braço iria combinar perfeitamente com a colorida mortalha do evento.

Sua mãe implicava com tatuagens, sempre achou coisa de vagabundos e maloqueiros.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Sexo sem cãibras

Em sua visita ao Brasil, o médico norte-americano E. Longh Ettion, Ph.D., lança a tradução de seu best-seller Sex Without Cramps, o Sexo Sem Cãibras, pela editora E-Men.

Hospedado numa pousada em Salvador, Bahia, Doctor E., como é chamado, sente-se confortável em conversar sobre o atrevido tema abordado em seu livro.

Em entrevista exclusiva, comenta a razão de tantas pessoas se identificarem com o assunto e nega o polêmico envolvimento com substâncias alucinógenas, divulgado em Outubro desse ano na controversa e massificada rede social Instabook.

...

O Jornal: O sr. parece mais jovem pessoalmente. Escuta isso com frequência?

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Dostoiévski


Quando se encontraram, logo perceberam que ele se gabava – daquele tipo que cita Dostoiévski. Nunca leu Dostoiévski. Mas cita Dostoiévski.

Não necessariamente seus versos ou trechos, mas, de maneira genérica, o existencialismo. Assunto que também não domina com profundeza. Mas como soa bem esse vocábulo...


Nove


Hoje encontrei na rua (na verdade, só vi de longe) uma menina da sétima série.

Ela só tirava dez. Sempre. Em tudo.

Um dia, ela tirou nove. Chorou. Muito. Como se tivesse tirado zero.

Nunca entendi.



quarta-feira, 17 de abril de 2013

Pudica


Casta. Discreta. Imaculada. Era tudo que aparentava.

Seu cabelo tinha um corte modesto, de meses, resguardando generosamente as faces de suas bochechas. Sua franja quase cobria os olhos. Tudo em seu rosto sugeria recato, inclusive a ausência de batom – ou qualquer cosmético.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Linguado


....

Oi, me vê dois quilos de abadejo. Por favor.
Agora, pode deixar!

Senhora, corto em postas?

[Inocentemente ele disse “senhora”. Ela odiava esse tratamento. E ela nem era velha. Mas era mulher: o suficiente pra implicar com a mais longínqua possibilidade de lidar com o envelhecimento, mesmo que aparente ou até inexistente. Obviamente ela controlou-se para sustentar a cortesia no diálogo. Concentrou-se, ainda, no factual – ele era apenas um parvo peixeiro.]

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Cercado de vítimas


Ele queria encontrar-se numa situação mais conveniente, mais aprazível. Sentir-se em meio a uma multidão de vítimas tem feito dele confusamente ingênuo – é o que ele vem discretamente afirmando por aí.

Ele gosta de ajudar, mas estaria sendo transformado em um impensante e atordoado ser oco? Sim. Oco e frio – para sua dolorosa decepção.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

De volta


Alguns dias fora de casa trazem certo alívio. Mas retornar à casa, proporciona uma sensação reconfortante. É como um encontro. Versos e melodia tocando-se entre si, harmonicamente encadeados.

Ao sair, deixamos a rotina, a obrigação, o horário, a agenda e, sobretudo, a bagunça. Bagunça de casa com crianças. Crianças vivas; não daquelas que fixaram na memória o não-pode.